Casa de Oração ou Antro de Assaltantes? - Isaltino Gomes Coelho Filho
Discurso
paraninfal do Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho aos bacharelandos
em
Teologia pela Faculdade Teológica Batista de Campinas,
em
7 de março de 2009
Eis
o texto de Mateus 21.12-13, na Almeida Século 21: “Jesus entrou no templo e
expulsou todos os que ali vendiam e compravam; e revirou as mesas dos cambistas
e as cadeiras dos que vendiam pombas. E disse-lhes: Está escrito: A minha casa
será chamada casa de oração; vós, porém, fazeis dela um antro de assaltantes”.
Não seguirei pelos vários usos deste texto em nosso meio. Analisá-lo-ei á luz
do seu contexto. Jesus citou Jeremias, 7, onde o escopo é maior que a venda de
bugigangas no templo, coisa, aliás, ainda em voga em nosso meio. Há seitas
neopentecostais a vender bênçãos. É lhes raso vender quinquilharias.
Ao
citar Jeremias, Jesus foi além do comércio no templo. Este era um dos aspectos
da questão. O pano de fundo de Jeremias vivia-se no tempo de Jesus. E no nosso.
Bem disse Durkheim: “A única lição que a história nos ensina é que não
aprendemos nada das lições da história”. Por isso vejamos o assunto casa de
oração x antro de assaltantes.
Casa
de oração é a casa de Deus. Antro de assaltantes é o estado espiritual de uma
sociedade e igreja doentes. Antro de assaltantes não é banditismo, mas abandono
do propósito divino, e estabelecimento do nosso. É recusa da vontade de Deus,
que é santa, e estabelecimento da nossa, que, mesmo cheia de boas intenções, é
pecaminosa. Antro de assaltantes é o desvio que os homens fazem do propósito
divino. Deus queria de um jeito e o povo de outro.
O
primeiro sintoma da sociedade e da igreja antro de assaltantes é a confiança na
instituição e o desprezo pela conversão. Deus dizia: “Endireitai os vossos
caminhos e as vossas ações, e vos farei habitar neste lugar” (Jr 7.3). Era uma
chamada à conversão. O povo respondia dizendo: “Este é o templo do SENHOR,
templo do SENHOR, templo do SENHOR” (V. 4). À chamada à conversão, o povo
respondia com religiosidade supersticiosa. A instituição “templo” lhes era um
sinal de que nada lhes aconteceria. Para que conversão? Tinham o templo, tinham
religião, tinham a instituição.
O
mesmo acontece hoje. Nossa sociedade é religiosa. E também usa a religião
contra Deus e seu chamado à conversão. Vivemos numa época de politicamente
correto, em que tudo é certo, e todo mundo deve ser acatado. Exigir conversão é
ser fundamentalista. É ser radical e intolerante. Afinal, religião, todo mundo tem.
E mesmo quem não tem é gente boa, é de Deus.
Deus
pedia conversão e o povo respondia com a instituição. Como hoje. “Precisamos de
mais instituições, mais escolas e mais área de lazer (a delinqüência juvenil,
descobriu-se, é por falta de lazer dos jovens – então, mais lazer para eles)”.
Estas coisas são boas, mas são paliativas, e não tocam no fundo da questão. O
problema do ser humano, mais que econômico e recreacional, é espiritual. Não é
epidérmico, mas vem de dentro. “O coração do homem é mau desde a sua meninice”,
diz a Bíblia. Apregoa-se o discurso falido do Iluminismo, da bondade inata do
homem, e pensa-se que se criarmos mais instituições, o mundo será melhor.
Quanta
ingenuidade no noticiário midiático! Alguém foi ministrar aulas de capoeira numa
favela carioca. Surgiram discursos elogiando isto como “resgate da cidadania
dos jovens marginalizados pela sociedade”. Com capoeira? Este discurso me soa
superficial. Ele não toca na questão fundamental.
Nosso
problema não é institucional, é espiritual. Muitos pensadores cristãos
facilitam este equívoco. Para eles, tudo tem explicação sociológica, nunca
espiritual. Respondem a tudo e tudo interpretam por pensadores seculares, e não
pelo evangelho. Pensadores são, mas não pensadores cristãos. Não sustentam a
visão cristã. Sua cosmovisão é acristã, se não anticristã. É o triunfo da
instituição, o nome que dou, nesta fala, à construção humana. É a recusa à
conversão, que é a chamada de Deus.
Nossa
editora oficial e a boa parte de nossas instituições (colégios, seminários e
juntas) passam por crise financeira. Algumas faliram. Na mesma época que a
JUERP (minha editora até o fim) entrou em crise, a CPAD também entrou. Esta se
recuperou e é uma editora de peso, com livros de valor. Lembro-me de uma foto
publicada em algum lugar (esqueci-me onde) de pastores assembleianos de
joelhos, numa reunião da CPAD, na hora da crise. Eles resolveram com oração e a
orientação divina que veio em resposta. Nós, quando entramos em crise, criamos
um GT, uma comissão, alguma instituição. Sou batista do papo amarelo, mas vejo
que nutrimos uma crença ingênua e quase idolátrica em nossas instituições. Fui
para o seminário com 19 anos, e discutíamos reestruturação denominacional.
Tenho 37 anos de ministério, e estamos discutindo reestruturação
denominacional. Quando Jesus regressar, estaremos discutindo reestruturação
denominacional. Não será que nossas instituições precisam de conversão, ao
invés de mais mudança de nomenclatura e de forma? Por que não uma chamada ao
jejum e à oração nacionais pela denominação batista, para Deus remover o que e
quem está errado? Por que mais GTs?
Para
ficar claro que não estou atacando minha denominação, que amo e na qual quero
encerrar minha carreira: há muita igreja antiinstitucional que se tornou instituição,
e passou a se valorizar mais que qualquer outra coisa. O fenômeno é mais amplo
e atinge muita gente.
.
O
segundo sintoma da sociedade e da igreja antro de assaltantes é a ênfase no
culto, na liturgia, e não no caráter. Deus pedia conversão e ética no
relacionamento social: a prática da justiça, não oprimir o estrangeiro, o órfão
e a viúva, não derramar sangue inocente (vv. 5-6). A seqüência da conversão,
falando como cristão, é mais que praticar fórmulas litúrgicas. É deixar que o
caráter de Cristo se forme em nós, por obra do Espírito Santo. O povo respondia
com sua religiosidade, inclusive o culto a Baal. Como temos cultos hoje! No
bairro em que moro há quase cinqüenta igrejas evangélicas. Talvez haja mais
igrejas que bares. Só batistas contei oito, num perímetro de cinco quilômetros.
Mas que cultos são esses, que adoração é essa, que não produzem retidão nem
impacto na sociedade? Muitos cultos são catarse pura. Outros são insanos.
Pode-se levar a sério uma igreja cujo credo traga “sapateado de anjos”? Bem,
sapateiem os anjos lá e sigamos cá. Uma das razões da destruição de Judá foi a
injustiça social, ou seja, o abandono da ética. A adoração que não produz vida
correta é mero alarido.
Tenho
muitas dificuldades com a liturgia de nossas igrejas. Não agüento mais cantar
corinhos ingênuos, de música pobre e de teologia manca. A imaginação é fértil,
mas canhestra. Num culto desses, um dia desses, cantou-se um corinho em que as
três primeiras sentenças gramaticais não tinham qualquer conexão entre si, cada
uma tinha um sujeito diferente e cada uma abordava um tema diferente. Nada
entendi. O que me deixou pior foi que as pessoas faziam cara de quem sentia
dor, fechavam os olhos, com um ar sofrido, e se requebravam. Aflige-me ouvir,
após cada corinho, um sermãozinho sem nexo algum. As coisas deviam ser bem
definidas. Quem prega, que pregue, não cante. Quem canta, que cante, não
pregue. É duro agüentar sermão de grupo de louvor. Nenhum pensante merece! Mas
é moda. Ai do pastor que disser que a maior parte dos corinhos tem música pobre
e letra capenga, sem sentido, e que se sustentam só pelo alto volume (barulho é
coisa de quem não tem conteúdo) e pelo gestual! Como temos louvor, e como nos
falta santidade! Como temos adoração, cultos, templos, e como falta integridade
aos adoradores! É a filosofia do antro de assaltantes: mais importância ao
culto e à liturgia que ao caráter. Ela mascara a ausência de santidade com
ritualística.
Vocês
enfrentarão esta mentalidade no ministério. Gente que quererá festa, mas não
correção. Que quererá liberdade para fazer o que quer, sem restrição. Que
quererá um culto para se soltar e não para aprender as verdades da Bíblia.
Quererá adoração, mas não caráter. Muitas igrejas querem festa, mas Deus diz
“Para que me trazeis tantos sacrifícios? Estou farto dos holocaustos de
carneiros e da gordura de animais de engorda. Não me agrado do sangue de
novilhos, de cordeiros e de bode” (Is 1.11). Ele diz que está farto de cultos!
E o que deseja ele? “Lavai-vos e purificai-vos; tirai de diante de meus olhos
as vossas obras más; parai de praticar o mal; aprendei a praticar o bem; buscai
a justiça, acabai com a opressão, fazei justiça ao órfão, defendei a causa da
viúva” (Is 1.16-17). Deus quer retidão. Não digo que a liturgia seja hipócrita,
mas não aceito que vida cristã seja o que sucede num determinado dia da semana,
conduzido por determinadas pessoas, num momento determinado, num lugar
determinado, chamado culto. Isto é mais que confundir a casca com o miolo. É
confundir o farelo com o pão. É guetizar a igreja.
Vocês
não foram chamados para serem animadores de auditório, mas orientadores do povo
de Deus. Não foram chamados para ganharem um concurso de popularidade, mas
serem fiéis aos propósitos divinos exarados na Bíblia. Não permitam que o antro
de assaltantes de uma sociedade festiva vaze para dentro da igreja e a
contamine. Não sou contra o culto nem contra cânticos. Repito: Não sou contra o
culto nem contra cânticos. Sou contra a bobagem, a superficialidade, a alegria
fingida, a manipulação e a ênfase na liturgia mais que no caráter. Vivemos numa
época de baixíssimo nível cultural. Hoje não há espaço para um Beethoven, mas
para DJs. Não há espaço para um Monet, Picasso, um Di Cavalcanti, uma Tarsila,
mas para pichadores, pois dizem que isto é arte. As pessoas não conhecem
Machado de Assis, mas BBB. A mediocridade é chocante e invadiu a igreja. A
pobreza musical e litúrgica de nossos cultos é desalentadora. Mas algo incomoda
mais que a pobreza: o copismo nível cultural do mundo. A igreja não mais
vanguardeia, mas copia. O antro de assaltantes de uma crença em que “o que vale
é a intenção” entrou em nosso meio. Para Deus não vale a intenção. Vale o
certo. Não ousarei definir o que é certo em liturgia, mas defino o que é
errado. Tudo que é sensual, que apela aos sentidos físicos mais que ao
espírito, que busca satisfazer os anseios ao invés de nos levar a alcançar a
perspectiva de Deus para nos, é errado. Se não promove a santidade, mas
satisfaz à necessidade de balanço, de meneios, de se soltar, deve ser
repensado. Adoração não é catarse. É consciência do Sagrado e quebrantamento
diante dele.
.
Por
fim, antro de assaltantes é a confiança em si e em seus deuses. Judá não confiava
em Iahweh, mas em Baal, no Egito, na Síria. Fazia seus deuses e se rendia a
eles. Os contemporâneos de Jesus não criam nele, mas confiavam na sua visão
pessoal. Disse Lutero: “Aquilo em que um homem confia isso é o seu deus”. A
sociedade não quer Deus, o Deus Vivo e Verdadeiro, e faz os seus deuses. A
igreja de hoje confia mais no poder humano que em Deus. Tem um Deus, mas crê em
deuses que ela constrói. Certos planejamentos financeiros, certas abordagens,
certas ênfases, certas posturas políticas, certos bastidores, me fazem crer que
a crença no poder de Deus é secundária. Apoio a políticos sabidamente sem
caráter e lançamento de evangélicos absolutamente despreparados à vida
política, e a sofreguidão com que a igreja busca o poder material, seja financeiro
ou político, me levam a perguntar: “Em quem cremos, afinal?”. E ainda: “O que
queremos com o credo antro de assaltantes?”. Intrigou-me ver crentes
brasileiros discutindo o evento Obama com um fervor quase religioso. A mídia
falou de “obamania”. Talvez o correto seja “obamalatria”. Já vi este filme
antes, com títulos diferentes: “lulatria”, “colloratria”, “tancredolatria”,
“planocruzadolatria”. Todos deram errado. Porque toda confiança em homens,
instituições e ideologias, além de idolatria, é frustração. Nossa teologia nos
ensina a depravação da raça humana, a pecaminosidade total da raça. Mas
esperamos socorro do produto da raça pecaminosa. Muitos dos problemas da igreja
residem aqui: não levar a Queda a sério. Achar que é uma historiazinha
engraçada, a fábula de uma serpente falante, sem considerar seu ensino. O homem
tornou-se mau, corrompido e corruptor. O homem é um Midas às avessas. O que
Midas tocava se transformava em ouro. O que o homem toca se torna em pecado.
Por isso não creio na redenção via instituição. Por isso censuro a festa
religiosa sem santidade, sem foco em Deus e com foco no homem. E por isso
censuro a visão de que políticos e ideologias podem nos trazer o reino de Deus
ou transformar o mundo. Não creio que pecadores inconversos podem nos salvar.
Não
estou censurando a visão política. Estou censurando nossa expectativa em
messias humanos, em salvadores terrenos. Tenho visto que os olhos da igreja se
voltam para mais para a terra que para os céus. Como Nietzsche pediu em uma de
suas obras. Aliás, já vi pastor dizer-se apaixonado por Nietzsche. Se o leu não
o entendeu…
Deuses
terrenos não são misericordiosos. Nada podem fazer, nada fazem, e cobram caro
pela não ajuda. Quando aprenderemos o que é depender da graça, o que é confiar
no poder de Deus, e esperar sua ação? Quando mostraremos que os valores do
reino nos são mais importantes que as moedas dos cambistas? Quando
valorizaremos mais a cruz que a mesa do cambista?
.
CONCLUSÃO
O
que Jesus fez no antro de assaltantes? Derrubou as mesas, expulsou os cambistas
e proclamou a santidade do templo. Eis o que espero que vocês façam:
1º)
Não ponham instituições acima de Deus e dos valores do reino. Não desprezem a
conversão, a santidade e a piedade. Não preguem adesão a um grupo social.
Preguem conversão. Igreja é mais que instituição. É o corpo de Cristo. Amem-na,
valorizem-na, dediquem-se a ela. Vivam para Deus e não para ideologias
eclesiásticas.
2º.)
Sejam pregadores da Palavra, homens e mulheres da Bíblia. Sejam condutores do
povo de Deus, e não animadores de auditório. Evitem o estrelismo e fujam das
estrelas do culto. Dobrar joelhos é mais importante que bater palmas. Culto é
quebrantamento e não forró. Levem o povo de Deus a buscar seriedade espiritual
e não a catarse.
3º)
Dependam da graça de Deus. Não aceitem as insidiosas e sutis manifestações de
idolatria eclesiástica contemporânea. Sejam “cristomaníacos” e não
“qualqueroutracoisamaníacos”.
Derrubem
as mesas da profanação do evangelho e afirmem a santidade de Deus!
.
.