A realidade das sete igrejas hoje


Ásia Menor no século 21
Ricardo Pessoa
Correspondente de Enfoque na Ásia

Milhares de turistas de todo o mundo visitam anualmente as chamadas ‘Sete Igrejas’ da antiga Ásia Menor (moderna Turquia), mesmo que não haja ruínas de templos cristãos da época. Na verdade, as reuniões eram feitas em casas nestas cidades que abrigavam as sete congregações mais importantes dessas terras no início da era cristã. São elas Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodicéia.

A região do mar Egeu abrange o segundo lugar mais importante para o mundo cristão, depois de Jerusalém, e recebeu o cristianismo, provavelmente, no fim da segunda viagem missionária de Paulo, que deixara Priscila e Áquila em Éfeso (At 18.18,19). Em sua terceira viagem, ele permaneceu nesta cidade por quase três anos e o Evangelho se disseminou por toda a província romana da Ásia (At 19.10).

Anos depois, João, o discípulo amado, também mudou-se para Éfeso, onde se desencadeou uma série de perseguições sob o comando de Domiciano. João acabou sendo aprisionado na ilha de Patmos. Tudo indica que foi por volta do ano 95 d.C. que ele registrou suas revelações apocalípticas ao comando da voz de Deus, que lhe disse: “O que vês, escreve em livro e manda às sete igrejas na Ásia: Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodicéia” (Ap 1.4,11). O Senhor da Igreja advertiu: “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas”. Encorajou, admoestou, alertou, prometeu. Não só o candeeiro de Éfeso fora removido (2.5), mas muitos irmãos foram lançados na prisão e martirizados (2.10).

Anfiteatro em Éfeso com capacidade para 25 mil pessoas era o grande centro de entretenimento da cidade e onde brigas de gladiadores, julgamentos, lutas com feras, martírios de cristãos aconteciam. Foi lá que o povo se aglomerou para protestar a favor de Diana (At 19.29)
Séculos mais tarde, a expansão islâmica varreria não apenas o remanescente cristão, mas também templos, símbolos, literaturas, enfim, quase tudo o que se relacionava à fé cristã. Hoje, quando lemos os capítulos segundo e terceiro de Apocalipse, buscamos respostas às perguntas: “Será que ainda há ajuntamento cristão nessas cidades? Como vivem, qual sua situação? Há liberdade?”

Convido o leitor a passear por essas terras bíblicas e conhecer uma realidade desconhecida por quase todo o mundo cristão e – por que não dizer – até da grande maioria daqueles que vivem aqui.

Começaremos nosso roteiro por Éfeso (atualmente Selçuk), seguindo a ordem em que são listadas as igrejas (1.11), ordem essa que sugere haver tido uma rota usada pelos comerciantes da época. Éfeso era metrópole política e comercial da província da Ásia. Era cidade marítima e seu porto era o mais importante da Ásia. Por esse motivo, estava sempre em contato direto com pessoas e culturas de várias partes do mundo.

A biblioteca de Celsius foi construída pelo cônsul Gaius Julius Aquila no início de 117 e terminada em 135 d.C. Rolos de pergaminhos eram arrumados em nichos na parte interna da biblioteca. Na sua fachada estão quatro estátuas de mulheres que personificam Sabedoria, Conhecimento, Destino e Inteligência

Selçuk, sem dúvida, é um dos destinos turísticos mais visitados na Turquia. No entanto, a maioria dos turistas não a acham atrativa e a usam somente como um ponto de descanso. Assim, a minúscula Selçuk segue sendo um lugar tradicionalmente turco, que conserva ileso os valores da cultura do país.

Desde os anos 70, muitos esforços têm sido feitos para dar início a uma igreja em Selçuk. Todavia, foi só a partir dos anos 90 que uma tentativa realmente começou. Um grupo começou a se reunir no porão de uma livraria, mas em seguida teve que ser transferido para outro lugar. A passagem de diversos estratáengeiros e de alguns crentes locais casados com estrangeiras deixou rastros de trabalhos cristãos que lutam para se firmar. Atualmente, há dois grupos reunindo-se nas proximidades de Éfeso: um em Arvalya (vilarejo de Selçuk), que conta com alguns crentes de Selçuk, e outro em Kuşadasi (cidade praiana a 18km de Selçuk).

Éfeso (atualmente Selçuk
Izmir (antiga Esmirna) era uma cidade fortemente dominada pelo culto ao imperador romano César, a quem todo cidadão tinha obrigação de reverenciar e queimar incenso “voluntariamente”. A conseqüência imediata por deixar de cumprir esse mandamento era a morte. Izmir constitui hoje a terceira maior cidade da Turquia, com uma população de 3,5 milhões de habitantes. É uma das mais modernas e visitadas por turistas do mundo todo, ficando atrás apenas de Istambul.

Estima-se que haja entre 350 a 500 crentes, espalhados entre 9 igrejas bem fundamentadas. Mas para chegar a esses números, foram necessários, pelo menos, quinze anos de paciente trabalho. Muitas reuniões caseiras foram iniciadas entre os anos de 96 e 97, a partir das quais surgiram fortes congregações. Apenas uma tem uma liderança nacional. Há também uma Igreja Católica Romana e uma Católica Ortodoxa. O templo da Igreja Anglicana está entre os mais antigos, com mais de cem anos de idade.

Izmir (antiga Esmirna)
Bergama (antiga Pérgamo) está localizada a poucos quilômetros ao norte de Izmir. Conhecida por seu algodão, ouro e finos tapetes, a cidade foi um antigo centro cultural greco-romano, e um considerável número de turistas visita as antigas ruínas de Pérgamo anualmente.
No início dos anos 90, Bergama recebeu um grupo de estrangeiros americanos. Foi quando resolveram enviar um homem para tentar trabalhar nessa região. Sem morar na Turquia, ele retornava freqüentemente para os EUA e instalava-se em Izmir. Algo muito pequeno começou e logo duas pessoas também abraçaram a fé em Jesus. A partir daí, em uma loja de tapetes, por um curto período de tempo, eram realizados os cultos. Mas não durou.

Bergama (antiga Pérgamo)
Em outra ocasião, um alemão começou a visitar Bergama e os demais crentes espalhados em todo o norte da região do Egeu. Mas nunca estabeleceu algo duradouro. Há um bom número de crentes ali e atualmente há um búlgaro em Izmir que pretende continuar a trabalhar com eles.

Com descobertas arqueológicas de quase 5 mil anos, Akhisar (antiga Tiatira) tem sido um centro comercial com uma localidade estratégica devido às intercepções de importantes estradas na era medieval. Hoje, ela continua sendo um centro de negócios. O nome Akhisar é internacionalmente relacionado ao “tabaco”, e suas terras férteis ajudam a cidade a ser mundialmente conhecida pela produção de azeitona e óleo de oliva.

Akhisar (antiga Tiatira)
Na década passada, um coreano que usava um nome turco distribuía Novos Testamentos em várias cidades. Akhisar foi um de seus alvos. Ele foi preso várias vezes, acabou indo embora e não conseguiu ver os resultados de seu árduo e ousado trabalho. No entanto, outros colheram frutos de seu esforço. Hoje talvez haja dois ou três crentes vivendo em Akhisar.

Havia também uma igreja búlgara que enviou pessoas para trabalhar em Kusadasi e mandou um homem para atuar em Akhisar. Homem perseverante, mas que teve que retornar à Bulgária por questões de sustento financeiro. Outra tentativa foi de um jovem turco, dono de uma bicicletaria, que pediu para ter reuniões em sua loja. Mas ele foi baleado enquanto andava na rua por causa de brigas familiares. E mais nada aconteceu.

Salihli (antiga Sardes)
A grande cidade de Salihli (antiga Sardes) tem uma economia baseada na agricultura, comércio agrícola e indústria. Mesmo com alguns pilares de um antigo templo dedicado à deusa Ártemis (Diana, em latim, a mesma dos Efésios) e uma corte construída pelos romanos, o turismo não é boa fonte de lucro. Salihli, juntamente com Akhisar, são aparentemente bem abertas política e religiosamente.

Um casal vindo da Alemanha por volta do ano de 2001 foi enviado para trabalhar no vale de Sardes. No ano seguinte, chegaram mais duas famílias, uma da Polônia e outra da Noruega. Uma equipe foi formada e encontros de celebração começaram a ser realizados, mas em inglês. Apesar das diferenças, a equipe sobreviveu alguns anos. Após a visita de um grupo de jovens de uma igreja de Izmir, as reuniões passaram a ser em turco. Alguns se converteram e foram batizados.

O ginásio de Sardes foi construído durante o reinado do imperador romano Septimius Severus (193 – 211) e fazia parte de um complexo de construções para atividades esportivas num espaço aproximado de 5 acres, no centro da ‘cidade baixa’ de Sardes, que incluía uma casa de banho, um grande pátio para exercícios e o vestiário dos atletas

Mas os poloneses passaram a ter problemas com visto e os noruegueses se frustraram por causa da morosidade com que as coisas caminhavam. Ambos retornaram para suas terras. O casal vindo da Alemanha precisou retornar devido a problemas de saúde na família e não apareceu mais. E agora não há nenhuma igreja plantada ali.

Dentro do distrito da província de Manisa está Alasehir (ou Alisehir, antiga Filadélfia). Situada no vale de Kuzuçay, está conectada a Izmir por 105 quilômetros de via férrea. No final dos anos 90, estrangeiros vindos de diferentes países com o propósito de trabalhar em Alişehir tentaram investir algum tempo, bem como recursos humanos e financeiros, a fim de implantar um ministério duradouro, mas que por fim não deu certo.

No início da presente década, um jovem turco que conhecera o Evangelho na Alemanha retorna à Turquia e começa a servi-lO zelosamente. Alguns familiares o colocam para cuidar de uma loja de material para cortinas em Alisehir, tentando ajudá-lo financeiramente. Ele e sua esposa permanecem ali, tocando o negócio e evangelizando. Meses atrás, quando questionado sobre sua situação econômica e espiritual, respondeu: “Ainda estamos aqui vivos. Estamos aprendendo a ser pacientes e um dia vocês verão uma igreja aqui”. Alişehir apresenta muita resistência e vários irmãos já foram levados a julgamento por terem distribuído Novos Testamentos.

Denizli (antiga Laodicéia)
Com pouco mais de um milhão de habitantes, Denizli (antiga Laodicéia) apresenta várias opções turísticas. Dentre as mais inusitadas estão as fontes de águas mornas (usadas como grandes termas naturais) e Pamukkale (a 20 km de Denizli), que significa literalmente “castelo de algodão”, onde se vê uma formação de calcário tão branca que parece neve. O fenômeno natural vai se formando em camadas, onde entre uma e outra aparecem piscinas de águas termais que vêm do solo em uma temperatura de 30ºC e têm aparência esbranquiçada por conter uma solução de cálcio e bicarbonato. É muito provável que Deus tenha comparado o estado da última das sete igrejas com essas fontes (3.16), cujas águas eram e ainda são usadas para lavagem estomacal.

Em meados de 98, partem de Izmir três famílias estrangeiras (norte-americanos, coreanos e sul-africanos) em direção a Denizli. No decorrer dos anos, alguns se convertem e são batizados. Por volta de 2002, problemas ligados a empréstimos para alguns irmãos nacionais de baixa renda, assassinatos e casos de adultério começam a surgir. Por fim, todos os estrangeiros se vão. Atualmente, há um grupo de crentes liderados por irmãos de uma comunidade de Izmir que visita Denizli semanalmente. Mas ainda está longe de se ter uma igreja estabelecida ali.

Em toda a história cristã passada nessas regiões, não resta dúvida de que Deus não se deixou ficar sem testemunha. Pessoas como José, Daniel, Sadraque, Mesaque, Abdenego, Policarpo, João Bunyan e muitos outros, conhecidos e anônimos, mantiveram-se firmes em sua fé, se preciso até a morte. Estes são verdadeiros vencedores que esperam por nós “com vestiduras brancas” para receberem a “coroa da vida” (2.10; 3.5). É certo que congregações foram desfeitas, mas sua mensagem de fé nunca morreu. Avancemos, igreja!


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