Formação ministerial: requisito ou complemento?

Formação ministerial: requisito ou complemento?

INTRODUÇÃO
Se entendi bem a pergunta constante no título, a questão é saber se a formação ministerial precede ou seqüencia o ministério. Se ela deve ser vista como um preparativo ou se ela complementa o ministério. Minha resposta vai além: ela precede e complementa, mas com ela se inicia o ministério.
E pretendo explicar a resposta. Mas antes, vou definir cada uma.

FORMAÇÃO MINISTERIAL
Por formação ministerial estou entendendo e falando sobre "o período de preparação para o exercício do ministério, seja ele pastoral, de música ou de educação". Não deve ser visto apenas como preparo acadêmico, mas sim também espiritual, emocional e cultural. O preparo acadêmico, relativo aos estudos, é uma faceta apenas da formação ministerial. Mas o seminário, lugar onde se presume acontecer a formação, deve ser um lugar de preparo espiritual. Infelizmente muitos seminaristas extravasam seu pior lado no período de seminarista, e em vez de espiritualidade crescente, tem-se a revelação de sua faceta mundana e carnal. Mas o seminário deve ser um lugar de crescimento espiritual, oferecendo condições e o aluno buscando criar condições para si, para os demais colegas e para a instituição.

A formação emocional deve surgir na vida do futuro obreiro. Muitas vezes ele chega com criancices ao seminário, o que não é de se estranhar. Se a adolescência pode chegar até aos 24 anos, muitos chegam ao seminário como adolescentes. O problema é quando se recusam ao amadurecimento e continuam como adolescentes e entram no ministério com criancices e infantilidade. O período não formou nada. Brigam com todo mundo, resolvem fazer sua denominaçãozinha pessoal, seu projeto pessoal, olhando só seu umbigo, sem visão global, sem visão do todo.

Por formação cultural aludo à cultura do ministério. Isso me surpreende muito: os seminários não estão conseguindo formar servos. Os alunos não vêm com mentalidade de servos. Já estão vendo tiranos ou déspotas esclarecidos em suas igrejas, como pastores, e aprendem isso. É difícil conseguir, por exemplo, a adesão de pastores a um projeto que não seja dirigido ou criado por eles. Boa parte só sabe trabalhar se for liderando, mandando. Submeter-se à liderança é um fardo pesado . É necessário criar a cultura de ser servo, de ser ministro, e que isto não significa "ser o rei da cocada preta", mas ter mentalidade de servo. Pensamos em ministro não nos moldes do Novo Testamento, mas nos moldes dos homens que mandam e desmandam no país. E há gente que entra no ministério para mandar e desmandar.

O período de formação é, pois, um período de conhecimento do que vem pela frente. Como noivado: um conhecimento mais sério e menos artificial. Eu tinha um colega de quarto no seminário, que dormia depois do almoço, das 13 às 16 horas. Por cima de sua cama, ele colocou um cartaz: "Não perturbe. Estou treinando para ser pastor de tempo integral". Hoje ele é pastor de tempo integral e faz um ministério extraordinário na cidade onde serve à igreja de Jesus. Era uma brincadeira. Mas para muitos, o período é desperdiçado.

No meu caso pessoal, peguei gosto pelo ministério no seminário. Não fui para equacionar meus recalques. Fui pensando em servir a Deus e pus isso na mente. Apaixonei-me pela idéia do ministério, o que eu antes admirava e almejava. Não era apaixonado, vendo-o como razão para viver.

Meu filho optou pela Arquitetura. E disse ele, quando fazia um curso de especialização em restauração de prédios e monumentos antigos, que quando via aquele monte de mapas espalhados em cima da mesa, os "cobrões" da restauração, com quem ele estudava discutindo o que fazer, que quando estava de boina, óculos de plástico para proteger os olhos, e raspando paredes para ver a cor da tinta original, que ele disse para si mesmo: "Meu Deus, é isso que eu quero fazer na minha vida". A formação ministerial deve ser um período para isso. Para o seminarista, estudando, pesquisando, convivendo com os demais, dizer: "Meu Deus, é isso que eu quero fazer!". Infelizmente, temos seminaristas que têm um período de formação patético e exercem ministério patéticos, depois.

O período de formação é para se apaixonar pelo que pretende fazer e buscar mais. Querer mais do que oferecem. Em meu tempo de seminarista, tínhamos um grupo de cinco colegas que nos reuníamos em meu quarto, todas as noites, depois das 22 horas. Cada um de nós tinha a responsabilidade de ler um livro por semana e tinha uma noite para expor seu conteúdo aos demais. Assim, estudávamos um livro por dia. Isso, durante quatro anos. Podem imaginar o que quanto crescemos. Bem melhor do que ficar jogando lata no corredor.

É UM REQUISITO
É um requisito porque dificilmente alguém entenderá a extensão da obra sem ela. Há muita gente fazendo excelente trabalho sem nenhum preparo, e o que é pior, muitas vezes com uma visão fragmentária, atomizada, da obra, sem uma visão global do reino de Deus, e sem uma compreensão correta dos seus valores. Muitos olham só o seu umbigo, dentro de sua ótica paroquial.

É um requisito porque sem preparo os riscos são maiores. Riscos de desvios, de manifestações de narcisismo, de falhas. Apolo era um bom orador, versado nas Escrituras, mas Áquila e Priscila foram seus tutores e o encaminharam melhor na Palavra de Deus. Um período de tutoria deveria acontecer na formação ministerial e até mesmo depois dela. Em Cuba, depois de formados, os seminaristas trabalham um ano (e já passaram um ano de estágio no campo) antes de receberem sinal verde para a consagração.

Houve tempos, no período mais duro de nossa atividade, que se justificava a consagração ao ministério de pessoas sem formação ministerial. Ou que a recebiam estudando com missionários americanos. Não creio que hoje este momento histórico e cultural continue. A Convenção Batista do Amazonas, num estado de difícil locomoção, decidiu não mais reconhecer, pelo menos na cidade de Manaus, a consagração de pessoas sem formação ministerial acadêmica.

Alegará alguém que as denominações sem preparo teológico crescem mais que as que têm preparo. Não creio. Creio, sim, que incham mais. Temos um crescimento evangélico que enche os olhos dos ideólogos do movimento de crescimento de igreja, mas que é uma babel impressionante de práticas. Por exemplo, a curiosa Igreja Pentecostal da Reforma do 7º Dia, em sua apresentação, de baixíssimo nível gráfico, alista seu credo. Em 8º e 9º lugares estão, respectivamente: "sapateado de anjos" e "que Jesus Cristo é nosso Senhor". Sapateado de anjos já é duro de engolir, mas colocar o senhorio do Senhor Jesus em último é "dose para mamute".

Há muita visão fragmentária porque há grupos sem substância teológica liderados por pessoas sem nenhuma formação teológica, e esses grupos surgem ao redor de pessoas e não de doutrinas e princípios. Pela falta de preparo ministerial, essas pessoas não têm visão global, mas umbigal, ou seja, do umbigo. E, pelo seu despreparo, tendem a valorizar mais a parte que o todo e interpretam o todo à luz da parte. Assim, uma parte do evangelho, que elas superdimensionam, torna-se o eixo pela qual interpretam o todo, o evangelho. O que é isto senão falta de formação? A formação teológica ajuda a ter uma visão total da obra, a ter segurança, a não ver os demais como inimigos e concorrentes. A pessoa pode ser um obreiro do Senhor, e não apenas alguém lutando por uma fatia de mercado.

É UM COMPLEMENTO
Se por complemento entendemos que ela complementa o ministério, minha resposta também é sim. Se por complemento entendemos que ela é um acessório, a resposta é não. Porque formação ministerial e ministério não são elementos estanques, isolados um do outro. Não se pode pensar que já se preparou e, pronto, acabou. O ministério exige preparo constante. Mas ele mesmo prepara, porque ele mesmo ensina. E quem souber aprender do que o ministério ensina terá grande formação. Infelizmente há seminaristas que entram e saem do seminário como o pato na lagoa: mergulha seco e sai seco do outro lado. E há obreiros que entram no ministério e saem como o pato. Também são impermeáveis a qualquer ensino.

Mas o ministério ensina. Aprendi mais dele do que em bancos de instituições de ensino e pelos livros. O ministério prepara para o ministério, prepara para a vida. O ministério é uma escola de formação e ai de quem falta às aulas ou fica reprovado nesta escola, a da vida ministerial!

O ministério aproxima mais de Deus, quando vemos o que ele faz. Abdiquei, hoje, depois de 28 anos de ministério, de muitos dos meus pressupostos teológicos, que eram mais preconceitos do que posições teológicas. Mas hoje me sinto mais maduro espiritualmente. Mais perto de Deus. E, algo que reputo muito importante para o ministro: mais perto das pessoas. Não basta amar a Deus e ao ministério. É preciso amar as pessoas. É a elas que nós ministramos. Somos ministros de Deus, mas somos ministros de sua igreja. E igreja, dizemos como batistas do papo amarelo que somos, é gente e não prédio.

Se há um ensino que posso lhes deixar em minha passagem por suas vidas, ei-lo: não deixem, nunca, de ser gente. Há obreiros que são bons pregadores, bons professores, bons líderes, baluartes da denominação, mas criaturas humanas horrorosas. E ser gente é algo que se aprende com gente, no ministério. Este tipo de preparo se consegue no dia a dia, no ministério. É uma formação constante. Conhecer gente, lidar com gente, aprender de gente, ser marcado por gente e marcar a vida de gente. Isto é fantástico! Enfatizamos muito a transcendência de Deus, o que é uma verdade teológica. Mas precisamos enfatizar sua imanência, outra verdade teológica. E esta imanência mais profunda quando lembramos que Deus foi gente, na pessoa histórica de Jesus de Nazaré. Deus sabe o que é ser gente. Mas há obreiros que não sabem ser gente... Não sabem rir, não sabem contar uma piada, não sabem abraçar uma pessoa. Têm medo de gente. Deveriam criar gado...

O ministério é lidar com gente e isso não se aprende em sala de aula nem em livros. No ministério, cada dia, com a formação que ele dá. Ele complementa nossa formação.

É UM PRINCÍPIO
A formação ministerial não é para um dia entrarmos no ministério. Não é um vestibular para o serviço. É algo que se faz em concomitância com o ministério. O seminarista é um ministro. Pode não ter recebido imposição de mãos, mas é um ministro. Deve servir. Não pode ser uma pessoa desligada e descompromissada, mas um ministro. Não ministro em potencial, mas real.

Formação não impede o serviço. Num concílio, um conhecido pastor perguntou ao candidato: "você é dizimista?". A resposta foi honesta, mas chocante: "Ainda não, mas a partir de agora vou ser". Felizmente, o concílio brecou a consagração. Você tem as marcas de um obreiro sério e consagrado?

No curso de medicina, os estudantes são tratados por seus professores como "doutores", para irem se acostumando com seu futuro status. O seminarista deveria ir se acostumando com o status de obreiro e isso não só no título. Deveria ir se acostumando com em nutrir a consciência de ser ministro, com o senso de responsabilidade, criar a cultura de ser um ministro. Ele já deveria se ver como um ministro no seu período de formação ministerial, e não apenas como um aprendiz ou como um candidato. Não se pode pensar em formação ministerial dissociada do serviço. O lugar onde acontece a formação ministerial, o seminário, não pode ser lugar de desocupado, de descompromissado, mas sim lugar de ministro em formação, mas também em atuação. Pessoalmente, creio que isso determinará muito do futuro do ministro: a seriedade com que ele vê a carreira que abraçou e o entendimento de que a carreira já começou e está sendo desenvolvida junto com sua formação.

CONCLUSÃO

O 2º livro dos Macabeus, que não deveria ser o segundo, porque corre paralelo ao primeiro, se encerra com estas palavras: "Também eu, aqui, porei fim ao meu relato. Se o fiz bem, de maneira conveniente a uma composição escrita, era justamente isso que eu queria; se vulgarmente e de modo medíocre, é isso que me foi possível" (2Macabeus 15.37-38). Para a Igreja Católica, os livros são inspirados, embora deuterocanônicos. É esquisito um autor de uma obra inspirada falar assim. Como não sou autor de nenhuma obra do cânon bíblico, posso usar suas palavras, em nossa linguagem: se ficou bom, era o que eu queria; se não ficou, paciência, foi o que pude fazer". E com tão doutas palavras encerro minha palestra.

Isaltino Gomes
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O autor é pastor da Igreja Batista do Cambuí – Campinas – SP. É natural do Rio de Janeiro – RJ. É Bacharel em Teologia pelo STBSB - Seminário do Sul, Bacharel em Filosofia e Mestre em Teologia com especialização em Antigo Testamento. Autor de vários livros: Isaías; Jonas - nosso Contemporâneo; Teologia dos Salmos ; Obadias e Sofonias – nossos Contemporâneos; O Pentateuco;

Fonte: http://www.seminariodosul.com.br/site/index.php?option=com_content&task=view&id=106&Itemid=65


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