O joio nos campos onde o trigo do avivamento é semeado

Um dos mais elucidativos e oportunos ensinos de Jesus é o da parábola do joio no meio do trigo (Mt 13.24-30, 36-43). Além de fornecer diretrizes prudentes e acertadas, a famosa parábola acalma o coração daqueles que estão à beira de um colapso por causa da realidade e da ousadia do princípio do mal. A descrição que William Hendriksen faz daquele que semeou o joio no campo já semeado de trigo é muito pertinente: “O que esse inimigo faz é mesquinho, cruel, covarde, sádico. Ele espera até que todos estejam em profundo sono, para não ser visto e apanhado em flagrante. Então, sem o menor laivo de consideração por todo o trabalho despendido na lavoura, os gastos incorridos e as esperanças alentadas, ele semeia novamente a lavoura, mas agora com joio”.1

A mensagem de Caio Fábio d’Araújo Filho sobre esta parábola, proferida em janeiro deste ano, também é muito apropriada, a começar pelo título: “O silêncio do trigo e a zoada do joio”.2 Vale a pena transcrever algumas frases:

“É impressionante como o mundo está cheio de trigo, embora seja o joio quem dá as cartas na história.”

“O trigo existe em abundância, mas é discreto, sem voz alta, sem projeto de ser nada além do pão, sem ambição além do chão, sem pretensão de viver sem antes morrer. O joio, entretanto, tem o chão, tem a imagem do trigo, mas não dá fruto nem se torna pão. Por isto, tendo o mesmo chão, tendo a mesma imagem, mas não se tornando chão, o joio não quer morrer, ambicionando existir como clone daquele que dá fruto: o trigo.”

“A questão não é fazer o joio acabar (esse trabalho, segundo Jesus, será dos anjos) -- mas ajudar o trigo a não temer morrer, e, assim, dar muito, muito fruto.”

“O joio continuará tentando substituir o amor pelo poder, a bondade pessoal por instituições de ajuda, boa vontade por engajamento político, misericórdia por militância ideológica, amor ao próximo por serviço religioso, adoração a Deus por “show” musical, pregação da Palavra por sedução mágica, e tudo o mais que o joio se especializou a praticar como estelionato contra a verdade, o amor e a genuína fé.”

A história não deixa dúvida: o joio penetra também nos campos onde o trigo do avivamento é semeado. Na esteira dos avivamentos religiosos há sempre alguma coisa espúria, que empobrece e desvirtua o movimento, embora não o impeça nem o danifique por completo. O historiador Williston Walker lembra que, no clima emocional do início do século 19, insuflado por despertamentos religiosos, surgiram também “vários movimentos que representam significativos afastamentos ou distorções do modelo protestante evangélico”.3 Alguns deles só se mostraram nocivos vários anos depois. Hoje são grupos fortes e numerosos espalhados pela face da terra, como as Testemunhas de Jeová e os Mórmons.

Quando esteve no Brasil, em 1952, o avivalista e historiador J. Edwin Orr declarou que para cada grande avivamento da história há uma reação contrária, desde John Wycliffe (1329-1384) até Billy Graham.

Outro historiador, Mark A. Noll, professor de pensamento cristão do Wheaton College, no estado americano de Illinois, explica que o ambiente propício ao avivamento (religiosidade intensa, mais liberdade individual etc) foi também propício à fragmentação do evangelicalismo nas gerações posteriores a 1830.4

Em 1742, oito anos depois do início do Primeiro Grande Avivamento, Jonathan Edwards já advertia o povo do perigo das distorções, mostrando a necessidade de discernir as verdadeiras marcas do arrependimento e a nova vida em Cristo. Nessa ocasião, escreveu “Thoughts on the Revival in New England” (Reflexões sobre o reavivamento na Nova Inglaterra). Quatro anos depois, escreveu “Uma Fé Mais Forte que as Emoções”, “um dos livros mais importantes de todos os tempos”, na opinião de James M. Houston.

Um dos maiores riscos em um avivamento é quando o ponto de partida, a propaganda, a atração e a própria sobrevivência dele dependem mais das emoções do que da sustentação das Escrituras Sagradas e da operação do Espírito Santo. O problema é tão antigo quanto atual. Em 1801, num grande encontro realizado em Cane Ridge, em Kentucky, o pastor presbiteriano Barton Stone já ensinava o “exercício da queda” (quando alguém dá um grande grito e cai ao chão), o “exercício do ladrido” (quando alguém emite um grunhido ou late como um cachorro), o “exercício do riso” (quando alguém solta uma gargalhada muito alta e sem razão), o “exercício da corrida” (quando alguém sai em disparada para outro lugar sob a pressão do medo) etc.5 Coisas excêntricas desse tipo jamais podem ser atribuídas ao Espírito.

A emoção não é pecaminosa nem desnecessária. É uma reação natural frente ao prazer e ao desprazer. A vida cristã é uma fonte de emoções. Há uma grande porção de experiências religiosas que provocam fortes emoções: a descoberta de Deus, a aceitação do evangelho, o perdão dos pecados, a prática da comunhão com Deus e com os irmãos, a vitória sobre o pecado, a oração respondida, a leitura devocional da Bíblia, o fruto do Espírito (amor, alegria, paz, amabilidade, domínio próprio), o derramar de alguma tristeza ou dor diante de Deus em oração etc. O verdadeiro cristão não é insensível. Ele vibra, se alegra e também chora. O próprio Jonathan Edwards procurava incentivar o que chamava de “afetos”, isto é, “aquilo que tira a pessoa da neutralidade ou mero assentimento [da verdade] e inclina seu coração a possuir ou rejeitar algo”. Todavia, o crente não deve ser movido a emoções, porque muitas vezes elas falham. São circunstanciais. Com frequência dependem de um belo dia, de um bom estado de saúde, de companhia, de boas notícias. Ele precisa depender da autoridade da Palavra de Deus. Se as emoções falham, a Palavra não falha, pois quem faz as promessas é “o Deus que não pode mentir” (Tt 1.2). O crente cuja fé não é mais forte que as emoções é volúvel, instável e vítima de arroubos e depressões intercaladas entre si. O famoso trinômio “fato, fé e emoções”, do pastor londrino Frederick B. Meyer (1847-1929), vem a calhar. Esta é a ordem certa: primeiro o “fato” (o que a Bíblia diz), depois a “fé” (a apropriação do que a Bíblia diz) e, por último, as “emoções” (consequência natural, imediata ou posterior, leve ou intensa, do que se crer). Colocar o sentir antes do crer nas promessas de Deus é o mesmo que tentar construir o último andar de um edifício sem ter nem sequer lançado os alicerces. Um ambiente carregado de emoções, geradas pela própria pessoa ou por um líder carismático que faz questão de “demonstrar que tem magnetismo pessoal irresistível, atitudes e aparência de vencedor”, pode ser uma cilada emocional.
Revista Ultimato
Edição 317
Março-Abril 2009