Salvação que embeleza

Rubem Amorese

O mercado vale-se do belo para vender. Honesta ou ardilosamente, ressalta o aspecto estético de um produto, sabendo que a natureza humana, inconscientemente, o associará à qualidade. Isso vale para a aparência limpa e bem refrigerada de uma lanchonete, para o design sofisticado de uma loja de marca mundial ou mesmo para o terno azul-marinho, de corte impecável, de um executivo que deseja “vender” a imagem de competência. Marketing (espero que o uso do termo em inglês cause esse efeito abonador sobre meus leitores).

De fato, a beleza sempre remete ao bem, à pureza e à perfeição. O fenômeno é universal, e também de difícil explicação.

Curiosamente, o dicionário Houaiss define o belo como “tudo que leva ao aperfeiçoamento espiritual do ser humano; o próprio Deus, enquanto manancial eterno e perfeito de tudo o que é propício ao progresso das criaturas e finalidade desse progresso; sublime”. Sublime? Sim, a extrema beleza. Fecha-se o círculo entre o belo e o bem: aquilo “que apresenta inexcedível perfeição material, moral ou intelectual”.

Veja que “sublime”, nas Escrituras, é um dos títulos de Deus (Is 57.15) e uma descrição de seu Servo (v.13), e que, nesses versos, a sublimidade se associa à santidade de Deus. Aquele que vivifica o “contrito e abatido de espírito”.

É interessante notar que, para fazer marketing de si mesmo, Satanás se apresenta “belo” como um anjo de luz, e seus profetas, “bons” como ministros da justiça (2Co 11.14-15). Sim, o uso ardiloso desse conhecimento da psique humana vem de longe. Não tendo a beleza própria do bem, imita o sublime para enganar os incautos. Refiro-me aqui, ambiguamente, tanto a Satanás quanto a produtos e serviços de má qualidade “maquiados”.

No entanto, o verdadeiro não precisa de maquiagem. Nem o santo, o justo, o contrito e abatido de espírito, porque essas formas de beleza provêm de uma fonte legítima, primária e inesgotável: o Sublime.

Uma palavra que unificaria essas belezas morais é salvação. É assim que compreendo a afirmação do Salmo 149.4: “e de salvação adorna os humildes”. Uma salvação progressiva, no sentido da santificação (Fp 2.12), qualidades e características que Deus infunde e molda naqueles que se fazem maleáveis às suas mãos de oleiro.

A beleza proveniente dessa ação salvífica de Deus dispensa maquiagem. Não tem o objetivo de vender. É apenas glória. A glória de Deus em nós. Não fenece com a idade, não perde o brilho nem o viço. Não precisa de plásticas nem de liftings. Uma beleza serena e alegre, que vai dormir com um cântico no coração; o cântico da consciência lavada. Esse não é um pensamento meu, mas do seguinte verso do salmista: “Exultem de glória os santos, no seu leito cantem de júbilo” (Sl 149.5).

Se é verdade que o coração humano decodifica a beleza como perfeição e vice-versa, também o é que todos são capazes de perceber a beleza da salvação; beleza com a qual Deus adorna o humilde e que aponta de volta para sua glória.

“Na velhice darão ainda frutos, serão cheios de seiva e de verdor” (Sl 92.14). Belos velhinhos.


Rubem Amorese é consultor legislativo no Senado Federal e presbítero na Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília.

Revista Ultimato

Edição 312
Maio-Junho 2008