Depoimento - Depois que saí da Igreja Maranata
CONTO DE NATAL – não fictício
Como é de conhecimento da grande maioria dos meus amigos e
irmãos, já faz um bom tempo que não “faço parte desta (ou melhor, daquela)
“Obra”.
Com o passar do tempo, constatei que fui relegado ao total
esquecimento por parte de 95% das pessoas que conviviam comigo lá e ainda
por cima me consideravam irmão e AMIGO. Hoje me dou conta que, na
verdade, não tive e nem tenho tantos amigos assim, como um dia pensei ter...
Atualmente quem visita sempre a minha casa (devido à saudade
e porque gosta de mim) são algumas poucas pessoas, dentre elas, duas faço
questão de ressaltar:
· um amigo de infância que é católico (e que por diversas vezes no
passado fora alvo de minha intolerância e escárnio, pela minha fria
“mentalidade de Obra”)
· um outro amigo, também de infância, que já foi até presidiário e que
hoje é assembleiano.
Esses, sempre que podem, vêm me ver.
Dei-me conta que minhas poucas amizades de hoje são resultado
do meu isolamento (frutos dos ensinos da ICM) do restante das pessoas “sem
Obra”, e sendo assim, eu só tinha “supostas amizades” no micro-universo “da
Obra”.
Mais de 20 anos convivi com muitas pessoas lá "dentro da Obra",
sem nunca sequer ter discutido, ofendido ou agredido qualquer dessas
pessoas. Enquanto lá - um exemplo, bem quisto, requisitado. Depois, somente
pelo fato de ter saído - esquecido, ignorado.
Bom, se em relação a amigos foi essa decepção, família não foi
diferente.Tenho vários que estão ali na “Obra”, vivendo do alto de sua
presunção, como se estivessem acima de tudo e de todos, e principalmente de
mim, aquele que, segundo eles, “não entendeu a Obra”.
Por parte desses (parentes), em relação a minha não
permanência no Sistema, vejo algumas reações um tanto quanto
surpreendentes. Alguns tentam aparentar pra mim que acreditam que eu
continuo sendo um servo de Deus mesmo “fora da Obra, do Corpo”, porém ao
mesmo tempo não perdem oportunidade de criticarem-me entre as “paredesreveladas”.
Sei porque vaza, e sempre tem alguém que conta.
Outros, nem se dão ao trabalho de representarem – simplesmente
me ignoram, como se eu não existisse mais. Outros, por sua vez, tentam me
“reevangelizar”.
Enfim, baseando-me nessas observações foi que compreendi
melhor um fato acontecido comigo.
Vou relatar uma ocasião surpreendente. Não é fictícia.
Eis o conto desse “Natal*”:
Costumava freqüentar constantemente a residência de um desses
parentes. Por ser próximo ao meu serviço, ia na hora do meu almoço.
Certa feita, tal pessoa disse ter tido uma visão comigo.
Sintetizando:
Na “visão” o meu coração estaria com algumas veias pretas, sem
sangue. Primeiro ouvi, depois resolvi falar sobre. Disse a ela que “veias pretas
no coração” todo ser humano tem.
Interpretando essa “simbologia”, logo pode se deduzir que essas
veias sem sangue, na verdade são veias sem vida. O pecado é o que gera
morte. Se não há vida é porque há morte. O pecado sempre no íntimo de cada
pessoa, buscando “minar” a vida.
Agora eu pergunto (e perguntei à pessoa também): seria isso algo
exclusivo de uma única pessoa? Nesse caso, por exemplo, dentro daquela
residência, somente eu seria alguém cujo coração tem “veias de pecado”?
Será que na tua casa (você que lê), teria alguém cujo coração de
tão perfeito só tem veias perfeitas? O teu, será que é assim, totalmente isento
das “veias do pecado”?
Quem teria um coração “perfeito” diante de Deus?
Essa foi a minha primeira ponderação.
A segunda foi a seguinte: disse a essa pessoa que eu não cria
naquilo como dom espiritual e sim como uma falácia evasiva no intuito de me
amedrontar (pois ao transmitir esse suposto “dom” a pessoa ainda disse: “Olha
lá, pensa direitinho, veja se não tem alguma coisa errada aí...”).
Deixa-me aproveitar e abrir um parêntese:
Coisas desse nível (metafórico) na verdade tende a impressionar
os incautos, porém a uma análise mais madura conclui-se que não passa do
ÓBVIO.
Dizem (em forma de visões e revelações) COISAS ÓBVIAS,
maquiadas em metáforas, que a cada dia vão aperfeiçoando suas elaborações,
de maneira fantasiosa e detalhista.
Numa fração de milionésimos de segundos conseguem ter uma
“visão” de tão detalhada e minuciosa que só pra ser transmitida demora cerca
de 5 a 10 minutos.
Outras vezes, a coisa gira em torno do “desconexo”, tipo “vi um
abajur, vi um copo vazio ou cheio, vi uma árvore, etc...” Coisas assim, sem
sentido, que podem dar mil interpretações como bem convier ao caso. Pra
concluir o assunto:
Ao ouvir a minha colocação, essa pessoa foi acometida de um
acesso de fúria e ódio tão grande que não obstante me chamar de caído, de
incrédulo, de morto espiritualmente, ainda me pediu pra não retornar mais em
sua casa.
Então assim o fiz.
Depois do fato fiquei a refletir.
A indignação dessa pessoa traduz os conceitos da “mentalidade
de Obra”, e não é de particular atitude e sim de prática generalizada aplicável a
qualquer um que a tenha absorvido.
Veja os atributos dados a mim:
Caído – uma vez fora da ICM, sou pra ele(s) um caído. Nunca me
encontrou em um estado de embriaguez. Nunca me visitou em cela de
penitenciária por delitos infligidos à sociedade. Nunca tomou ciência de que eu
esteja envolvido em escândalo de adultério e/ou coisas do tipo.
Enfim, dentro da ética e da moral de qualquer cidadão comum,
procuro viver decentemente. Como um cristão idem. E tal pessoa bem o sabia.
Porém, só pelo fato de eu estar “fora da Obra” sou classificado como um caído
pra ele(s).
Incrédulo – Não levam em consideração a fé da pessoa, se ela
crê na Palavra de Deus ou nos dons do Espírito Santo nem importa
essencialmente. Importante, segundo o conceito “revelado” é crer nas
“revelações” de cunho particular da ICM e dos seus.
Outra pessoa que estava presente, tentando amenizar a situação
ainda disse para o que me transmitiu o “suposto dom”: “Você não deveria ter
falado. Você sabe que ele NÃO CRÊ em nada.”
Nessa tentativa de amenizar a situação tal pessoa também
evidencia que o produto da “mentalidade de Obra” é classificar como incrédulo
não àquele que duvida das coisas espirituais, não aquele que desacredita no
sacrifício e ressurreição de Cristo, não aquele que ignora a Palavra de Deus, e
sim qualquer pessoa que não creia nos “dons ao estilo da Obra”.
Pra tais, não só eu, mas qualquer outro que os contestar será
rotulado de “incrédulo”, ainda que o mesmo creia no Pai, no Filho e no Espírito
Santo, bem como nos seus atributos eternos.
Morto espiritualmente – se eu estou “fora da Obra”, se eu não
creio num “dom de uma pessoa da Obra”, então fatalmente sou esse cadáver
espiritual, no entendimento deles. E sendo assim, torno-me indesejável, de
todas as formas.
Talvez, ao ler tal relato pareça que estou omitindo algo da minha
fala ou potencializando a do outro, mas por Deus, nada mais ou menos do que
procurei relatar.
Sintetizando seria: transmitiu-me uma “visão” que eu disse não
crer na procedência da mesma como algo Divino, e sim produto do coração e
mente tendenciosa e fantasiosa.
Deu no que deu.
Alguns, partindo em defesa da “doutrina revelada” ainda poderia
me dizer que tal pessoa errou, pois agiu “isolada”, entregando um dom “fora do
corpo”.
E eu pergunto: e se tivesse entregado isso a um “grupo de
intercessão”, qual a diferença?
Pra eles seria considerado um dom verídico, principalmente pelo
teor do mesmo e em relação a quem se aplicaria.
Ainda assim é alvo da minha contestação:
Desde quando dizer coisas óbvias de maneira figurada,
impulsionada por uma mente tendenciosa seria algo do Espírito?
Veja no Evangelho, principalmente depois do advento do Espírito
Santo, onde há manifestações de visões, e veja se as mesmas ocorrem assim
dessa natureza?
Em Atos dos apóstolos vemos uma jovem que era adivinhadora e
quando em contato com Paulo e Silas sai anunciando o óbvio, que eles eram
servos do Deus Altíssimo, que pregavam a salvação, etc, porém foi
repreendida pelos mesmos, porque pelo discernimento de espíritos puderam
ver tratar aquilo de um ardil maligno.
Em relação ao “dom” analisado soa mais como uma “indireta” do
que qualquer outra coisa.
Uma tentativa mista de "reevangelizar amedrontando".
O problema não está em transmitir “isoladamente” ou “no corpo”,
e sim em gerar no indivíduo tal entendimento deturpado acerca dos dons
espirituais.
Essa é a conclusão final que cheguei nesse caso.
Se lendo esse relato, se espantou, então sugiro cautela: você
pode ser surpreendido com situação semelhante ou até mesmo idêntica. Se
você, assim como eu, já foi submetido a tal constrangimento, então tenha
certeza de que não foi o primeiro, e provavelmente não será o último.
O que mais me deixa triste é que a pessoa por si mesma não teria sido tão
grosseira e indelicada em qualquer outra circunstância, por qualquer outro
assunto.
Porém, discordar da “Obra” ou colocar em questão seus
“desdobramentos doutrinários” tirou não só essa pessoa do sério, mas tiraria
também qualquer um que a ama e a tem como “forma de vida”.
Feliz Natal, pra todos – indistintamente.
"E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e
de verdade, e vimos sua glória, glória como do unigênito do Pai"
Jo. 1:14
* Conto de Natal porque esse acontecimento se deu nas
vésperas da referida data.