A Igreja em peregrinação

Mateus 9.35
O texto inicia afirmando que Jesus percorria todas às cidades e povoados. O Senhor ia ao encontro das pessoas. Ele não ficava à espera que elas fossem ter com Ele. Os seus discípulos estavam peregrinando com Ele. Sendo assim, A igreja tem que aceitar o desafio de ir ao encontro das pessoas. Jesus foi ao encontro delas. Ele saiu até elas. Ele está do lado de fora. O Senhor deixou a sua glória e veio ao nosso encontro de maneira humilde para nos manifestar a glória do Pai (Jo 1.1-4;14, Fp 2.5-8). Ele esvaziou-se, humilhou-se por amor de nós. Ele veio para estar com as pessoas e viveu no meio delas. Ele sofreu fora dos portões (Hb 13.11-12). Ele levou sobre Si as nossas dores e os nossos pecados e nos perdoou.
O texto diz que Jesus percorria (gr periago), que significa “viajar à volta”. Jesus foi um peregrino. Nós, o povo de Deus somos peregrinos. Nós estamos em peregrinação. E aqui é bom resgatarmos o vocábulo grego que nos fala desta nossa caminhada. O vocábulo é paroikia. “Esse vocábulo é composto de duas palavras: a preposição pará e a palavra oikia. A preposição pará em conjunção com oikia denota movimento e direção de uma ação em movimento. O vocábulo oikia significa casa, habitação. Assim, paroikia em termos mais simples, significa peregrinação, estar em demanda a casa. Pároikos designa o peregrino e paroikéo é a expressão verbal do conceito com o sentido de peregrinar, caminhar em demanda ou em direção a casa.”[1] Portanto, este termo mostra-nos de modo claro e evidente a natureza e missão da igreja. Fala do que nós somos e como devemos viver. Este vocábulo diz que nós estamos a caminhar, estamos em marcha, seguindo o nosso Mestre e o seguimos em direcção à nossa casa.
O que este termos nos mostra é que devemos estar fora dos portões. Estamos na vida, no dia-a-dia. A caminhar lado a lado com as pessoas, pois foi assim que o Senhor caminhou. Olhemos para o Senhor. Ele é o nosso exemplo. “Jesus transita do lado de fora, no mundo secular, com uma facilidade, com uma leveza e com uma liberdade enormes.”[2] Contudo, ela transita do lado de fora sem nunca se deixar influenciar. Ele é quem faz a diferença e nós precisamos fazer a diferença em nossos dias.
Uma questão interessante que me surge é a seguinte: “Como é que devemos peregrinar no meio das pessoas?”
Somos peregrinos e o nosso modo de peregrinar tem que ser como o do Senhor. Sendo assim, é importante afirmar o seguinte:
Devemos peregrinar neste mundo como cordeiros. Estamos de passagem. Somos seguidores do Mestre que passou por aqui. É bom lembrarmos o que foi dito dele. João o Baptista afirmou: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo!” (Jo 2.29). A declaração de João é profunda, mas o que desejo aqui é apenas mostrar como o Senhor andava. Ele peregrinou como Cordeiro. Ele andou em humildade. Ele saiu ao encontro das pessoas desarmado. Ele veio para dar-se a elas. Ele andou a volta delas e no meio delas.
O nosso desafio, quando caminhamos com o Senhor é o de nos dirigirmos às pessoas como cordeiros também. O Senhor diz aos seus discípulos: “Ide! Eis que vos envio como cordeiros para o meio de lobos.” (Lc 10.3). Esta imagem é fortíssima. Aceitar o desafio de caminhar com Cristo é peregrinar como cordeiro no meio dos lobos. É olhar para esta sociedade perniciosa que tenta nos destruir e seguir em frente olhando para Cristo, na certeza de que os lobos que nos causam medo, não nos podem destruir.
Quando leio este versículo, vejo que o desafio de caminhar com Cristo, e, ser um peregrino aqui neste mundo, faz com que eu compreenda que não estou aqui para destruir. Um cordeiro no meio de lobos, não consegue destruí-los. Na verdade, os lobos é que matam o cordeiro. E se formos sinceros, assumiremos que à sociedade à nossa volta, tenta nos sufocar e destruir a nossa fé. Paulo utiliza a linguagem do salmista para mostrar esta realidade aos cristãos em Roma. Ele escreve o seguinte: “Como diz a Sagrada Escritura: Por causa de ti estamos expostos à morte todos os dias. Tratam-nos como ovelhas para o matadouro.” (Rm 8.36). Este é um desafio que não queremos pensar. Não queremos pensar na morte, mas ela é uma realidade presente. Seguir a Cristo é estar disposto a estar exposto à morte todos os dias. É estar disposto a viver e morrer para Cristo. Somos peregrinos e a nossa caminhada é como cordeiros. As ovelhas seguem silenciosas. Não são geradoras de confusão. Seguem assumindo suas fragilidades e medos, mas seguem confiando no seu Pastor.
Nós somos chamados para peregrinar com o Senhor. A nossa caminhada é feita na consciência de que somos seu rebanho. Seguimos o nosso Pastor e por isso, podemos ficar tranquilos porque Ele não nos abandonará. Caminhamos como cordeiros, tendo consciência do perigo, mas seguimos seguros porque o nosso Pastor está no controlo da situação (Sl 23). Martin Luther King Jr., afirmou que “o homem que não tem um motivo pelo qual morrer, não tem uma razão pela qual viver”. É este o ensinamento de Paulo, senão vejamos o que ele diz: “De fato, para mim o viver é Cristo e o morrer é ganho.” (Fp 1.21). Peregrinamos vivendo com Cristo e para Cristo e se morremos é lucro porque estamos com Cristo.
Devemos peregrinar neste mundo, inseridos na sociedade mas sem encarnar os valores dela. A igreja precisa estar inserida no mundo. O texto diz que Jesus percorria todas as cidades e aldeias. Ele está do lado de fora. Ele está caminhando pela vida. Ele está no meio do povo. É interessantíssimo que o Senhor não está trancafiado no templo. Ele caminha junto com o povo. Ele aparece do lado de fora do portão. Ele está na estrada. Ele aparece nos locais mais inesperados. Vemo-lo a dormir ao relento (Mt 8.18-20), convocando seus discípulos nas praias (Mt 4.18.22), na colectaria de impostos (Mt 9.9), num banquete ele faz discípulos (Lc 5.29) chama uma pessoa que estava curiosa e desejava vê-lo para estar com ele (Lc 19.1-10), opera o seu primeiro milagre em um casamento (Jo 2.1-12) e está presente tanto nas sinagogas como nos cemitérios (Jo 8.38). O Senhor está caminhando e no seu percurso ele cruza todos os lugares.
O Senhor diz claramente à sua igreja que ela deve aceitar o desafio de estar inserida na sociedade. A igreja precisa peregrinar no meio do povo. É interessante ler a oração sacerdotal de Jesus (Jo 17), ali o Senhor diz o seguinte: “Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo.” (Jo 17.18). Somos enviados ao mundo. Somos desafiados a caminhar numa sociedade que não nos entende e que nos odeia (Jo 17.14), e, é neste ambiente de animosidade que precisamos estar inseridos assumindo uma atitude de comunhão plena uns com os outros e com o Senhor para que o mundo creia e assim seja salvo. A igreja precisa estar inserida no mundo, mas com os valores do Reino. Deve estar no mundo, mas manifestando o caráter de Cristo. Somos enviados para peregrinar no mundo, pois é do lado de fora que a verdadeira santidade se manifesta.
O Senhor diz que nós devemos estar inseridos na sociedade e fazer a diferença na mesma (Mt 5.13-16; 28.18-20). É interessante pensar na realidade do sal e da luz. A luz dissipa as trevas, serve de sinal de advertência, mas também indica-nos o caminho. O sal penetra os alimentos, desaparece, mas o seu sabor se faz sentir. É neste paradoxo que devemos viver. Precisamos ser luz e para brilhar devemos estar no alto, mas tendo consciência que a luz que há em nós não é nossa, ela é a manifestação da glória do Senhor em nós e ao mesmo tempo ser humildes o bastante para sermos consumidos pela sociedade para que ela tenha sabor.
O que estou afirmando é que a igreja necessita estar engajada num processo de transformação histórica de pessoas e estruturas sociais.
Quando Jesus afirma que somos sal da terra e luz do mundo há implicações profundas que muitas vezes não nos damos conta. Implicitamente o Senhor diz que o mundo está sem sabor, deteriorando-se, sem direcção e em trevas. Senão vejamos, o sal serve para dar sabor, para conservar e preservar, mas também para provocar aquele desejo de beber. A luz serve para iluminar, dissipar as trevas advertir e indicar o caminho. Isto só faz sentido se estivermos do lado de fora, engajados na transformação deste mundo que jaz no maligno.
O fato é que nós ficamos e nos fechamos. Queremos que as pessoas cheguem a este lugar que chamamos templo, mas o templo é a igreja. O templo somos nós (1 Pe 2.5). Precisamos ir até as pessoas para manifestar a glória do Senhor. “A glória de Deus está nas pessoas (...). Cristãos podem sobreviver sem templos. Aliás, já demonstraram isso nos primeiros três séculos da era cristã, pois o primeiro templo surgiu após a conversão de Constantino e o consequente estabelecimento do cristianismo como religião oficial do Império.”[3] Uma das coisas ruins que aconteceram foram os edifícios, pois deixamos de percorrer o caminho. Deixamos de caminhar com as pessoas e limitamo-nos a ficar fechados com o Senhor no que chamamos templo. Trancamo-nos neste mundinho e não vemos o que está acontecendo do lado de fora. Não sou contra os edifícios, mas é verdade que os edifícios estão servindo como centros de alienação da igreja. E também é verdade que: “Uma igreja que se alienou da vida e da história e que procura viver somente de modo contemplativo ignorando os problemas com que as pessoas se defrontam no seu dia-a-dia, sem dúvida, perdeu o sentido de relevância histórica do testemunho cristão como sal, luz e fermento.”[4]
Que tipo de igreja nós somos? Estamos engajados e actuando na sociedade, ou estamos fechados e olhando para o nosso próprio umbigo, completamente alienados do mundo?
A igreja que aceita o desafio de peregrinar com o Senhor é uma igreja inserida na sociedade. É um povo que faz a diferença. É um povo que está engajado não porque tem força em si mesma, tem poder em si mesma para mudar, mas porque foi revestida pelo poder do Senhor (Mt 28.18-20), e revestida pelo sabor do Senhor. Foi Jesus quem afirmou “vós sois o sal da terra” (Mt 5.13). Não fomos nós que nos fizemos sal, mas foi o Senhor quem nos concedeu este privilégio. E é bom entendermos o seguinte: “Quando Jesus afirma que somos o sal da terra, Ele nos afirma que a nossa vida tem que ser a mais saborosamente fantástica que esse mundo já viu, uma vez que ela tem de ter, no cerne, um conteúdo de gosto para o desgosto da terra. Ele nos diz ainda que devemos ser o paladar de Deus nessa terra insípida, sendo elemento que traz sabor a uma existência inteiramente destituída de sabor.”[5] Estar inseridos e engajados na sociedade nos faz ser pessoas em movimento, pessoas actuantes, com relevância de presença e que por isso, precisamos ser pessoas que realizam sua missão no contexto onde vivem.
Devemos peregrinar neste mundo, motivados pela esperança de caminharmos para o nosso verdadeiro lar. A nossa peregrinação não é vazia. Jesus caminhou neste mundo consciente para onde ia. Em suas últimas palavras aos discípulos, O Senhor afirmou categoricamente que ia para o Pai (Jo 14).
No jantar da de Páscoa, ali naquela casa, o Senhor explicou aos seus discípulos o que lhe iria acontecer. Ele disse que ia para o Pai e voltaria para nos levar para junto dEle mesmo. A igreja precisa compreender que o nosso estado de peregrinação é transitório. Nós estamos na jornada para chegar ao nosso verdadeiro lar.
O nosso verdadeiro descanso não é aqui. Aqui somos estrangeiros, estamos de passagem. Nós seguimos para a nossa verdadeira habitação, seguimos para a morada que o Senhor tem preparado para nós e ali, que também é cá, sim, viveremos por toda a eternidade (Sl 23.6). Sendo assim, nós não devemos estar agarrados às coisas deste mundo. Não correremos desesperadamente buscando tudo e mais alguma coisa. Viveremos tranquilos e confiando no Senhor porque quem busca o Reino, ganha as outras coisas. Quem busca primeiro os valores do Reino, será amparado e cuidado pelo Senhor (Mt 6.31-33).
O que estou afirmando é que quando caminhamos com o Senhor, não valorizamos o provisório. Nós sabemos para onde vamos e valorizamos o que é prioritário. Devemos compreender que “A caminhada cristã no mundo implica nesta direção final: o fim em que a comunidade de Deus, a família de Deus, se tornará realidade pela quebra de valores egoístas e individualistas, em virtude de uma nova visão do ser humano e da sociedade. Uma nova visão que se tornou possível pela compreensão e realização dos valores do Reino de Deus em nossa vida.”[6]
Devemos seguir em frente motivados pela esperança. A grande questão que se nos apresenta é a seguinte: “O que é a esperança?”
Esperança (gr. elpis), É aquela expectativa tanto de um mal como de um bem. No sentido cristão é a alegria e a confiante expectativa da salvação. A concepção hebraica é mais profunda. Existem quatro verbos principais que com o significado de esperar. a) qãwãh (em conexão com qãw, “esticado”, “prumo”) “esticar-se em direção a” “ansiar por” (com Deus como obj., 26 vezes); b) yãhal, “esperar”, “ansiar” (por Deus, 27 vezes); c) hãkâh, “esperar” (por Deus, 7 vezes) d) sãbar, “aguardar”, “esperar” (em Deus, 4 vezes). A esperança do crente está fundamentada em Deus.
É bom percebermos que o seguinte sobre a nossa esperança:
No conteúdo a nossa esperança tem como centro Cristo e Deus. Ela não olha para si, mas para o Senhor que será tudo em todos (1 Co 15.28). Sendo assim, aqui a esperança está relacionada com a salvação que nos é outorgada (1 Ts 5.8), ela é a justiça de Deus (Gl 5.5) é a certeza da ressurreição num corpo incorruptível (1 Co 15.52 ss), a certeza da vida eterna (Tt 1.2; 3.7).
A base da esperança é a graça de Deus em Jesus Cristo. O Senhor é a nossa esperança (1 Tm 1.1; Cl 1.27). Nós seremos semelhantes a Ele. É pela obra graciosa de Deus.
A esperança t5em como sua natureza a entrega. Ela é dadivosa. Ela vem como fruto da graça do Pai (2 Ts 2.16). É esta esperança dadivosa que nos une (Ef 4.4). Ela é fruto da graça de Deus.
Nós somos o povo da esperança. Um povo que foi chamado pelo Senhor. Peregrinamos com Ele e se estamos a caminhar com Ele, precisamos seguir em frente esquecendo o passado. Devemos peregrinar abrindo mão do que fica para trás. Implica então dizer que caminhamos deixando toda a amargura, toda ira (Ef 4.31). Peregrinamos com o Senhor oferecendo reconciliação e reconciliando-nos com os demais porque nós também somos falhos, nós também somos pecadores (Rm 3.23; 6.23). Contudo, os nossos olhos estão fitos no Senhor, eles estão completamente voltados para o nosso guia e vamos atrás dele, humildemente por reconhecermos que caminhamos para o nosso verdadeiro lar. Caminhos para a maturidade e para alcançar o prémio que o Senhor tem preparado para nós (Ef 4.1-16; Fp 3.1-21). Nós seguimos para encontrar o nosso Senhor e por isso, não nos agarramos ao provisório.
A igreja está em peregrinação, mas caminha motivada pela esperança do encontro com o seu Senhor.
Conclusão
A igreja está em peregrinação. Ela está de passagem.
Somos chamados para peregrinar no mundo com o Senhor e como o Senhor. Devemos seguir neste mundo como cordeiros. Não somos criadores de confusão. Somos pacificadores.
Somos peregrinos, mas na nossa peregrinação, devemos ser bênção na vida daqueles que se cruzam connosco. Devemos iluminar e dar sabor às suas vidas.
Caminhamos motivados pela esperança. Caminhamos a olhar para frente. Peregrinamos para o futuro, mas não esquecemos que temos um passado. Somos fruto de uma história bela e maravilhosa, mas os nossos olhos estão fixos no Senhor e é para Ele que nos dirigimos.
Nós somos peregrinos. Peregrinamos com o Senhor e pelo Senhor.
Que o Senhor nos oriente e nos guarde em nossa peregrinação.
Que seja assim e se faça assim para honra e glória de Jesus!




[1] DUSILEK, Darci. A Igreja em Peregrinação; implicações do coneito de paroikia para a vida e missão da igreja no
alvorecer do 3º milênio. – Horizonal Editora, Rio de Janeiro, 1996.
[2] D’ARAÚJO FILHO, Caio Fábio.
[3] KIVITZ, Ed René. Quebrando Paradigmas, 1ª Edição Abba press, São Paulo 1995.
[4] Op.Cit.
[5] D’ARAÚJO FILHO, Caio Fábio. Sal fora do Saleiro – VINDE Comunicações, Rio de Janeiro, 1996
[6] Op.Cit.

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