Presente e futuro da igreja evangélica no Brasil (parte 3)

Paul Freston

Nos dois artigos anteriores, analisei o presente da igreja evangélica e as tendências para as próximas décadas. Quero agora fazer algumas recomendações.

Em primeiro lugar, vivemos uma fase passageira na história da igreja evangélica -- a fase do crescimento rápido. Essa fase começou nos anos 50 e, como vimos anteriormente, provavelmente vai acabar entre 2020 e 2030. Disso devemos aprender a lição da precariedade do crescimento evangélico. Ao contrário da Igreja Católica no passado, o mundo evangélico nunca terá ‘clientela cativa’, porque o caminho que o Brasil trilha não é de país católico para país evangélico, mas de país católico para país religiosamente pluralista. E quando o crescimento evangélico cessar, várias coisas podem acontecer. Talvez aconteça apenas uma estabilização na porcentagem de evangélicos, mas é possível também que haja uma queda. Na Coreia do Sul, por exemplo, a porcentagem de evangélicos está caindo ligeiramente. Não sabemos, então, se essa grande comunidade evangélica que se forma atualmente no Brasil vai durar por muitas gerações nem se conseguirá dar uma contribuição importante para a história do país.

Em segundo lugar, a religião evangélica está virando uma religião de massas no Brasil. E o que sempre acontece com as religiões de massas é que elas passam a se parecer cada vez mais com a sociedade. Em vez de transformar a sociedade, a religião é transformada por ela. Isso é normal numa fase inicial. Muitas ‘aberrações’ que acontecem no meio evangélico não me preocupam porque sociologicamente são fenômenos que tendem a acontecer numa fase incipiente. No entanto, depois disso, devemos fazer o que Jesus fez quando começou a se tornar muito popular. Assediado pelas multidões depois da multiplicação dos pães (Jo 5), ele passou a ensinar as demandas do discipulado (Jo 6), mesmo custando-lhe adesões.

Em terceiro lugar, o nosso grande desafio é o desafio ético. Mesmo que os problemas éticos não tenham surgido recentemente, hoje eles são projetados para a sociedade inteira e suas consequências são mais desastrosas. Não conseguimos cumprir Romanos 12 (não se conformar, mas se transformar) justamente porque a transformação não acontece de maneira automática -- é sempre resultado de ensinamento. Onde não há ensino dificilmente a transformação acontece. O que vinga é a lei sociológica, que é a conformidade com a sociedade-ambiente. Perdemos a ética protestante! Perdemos aquela ética da fé transformadora da sociedade e da cultura. Em vez disso, temos o triunfalismo do crescimento numérico, a crença de que vamos dominar o país e reformá-lo à nossa imagem. Perdemos a ética protestante clássica da diligência no trabalho e frugalidade no viver e adotamos a teologia da prosperidade. Substituímos a cosmovisão protestante clássica por correntes novas e cada vez mais exóticas de ‘guerra espiritual’.

Precisamos reexaminar as três tentações de Jesus, que acontecem logo após o seu batismo, quando o seu ministério público está prestes a começar. São tentações ministeriais típicas, que tendem a reaparecer na história da igreja. Representam três maneiras erradas de ser messias e, consequentemente, três maneiras erradas de ser igreja. Há a tentação do triunfalismo encantado com o poder, a tentação do hedonismo, do evangelho que satisfaz os nossos desejos, e a tentação do ‘poder’ em um sentido usado por muitos evangélicos hoje -- a tentação de impressionar e convencer pelo espetáculo.

Perdemos essa ética porque não sabemos discernir a realidade do campo religioso. Há duas pressões muito fortes sobre pastores evangélicos, que dificultam o ensino e a ação éticos. A primeira é a pressão do institucionalismo, isto é, a pressão de colocar a instituição, as demandas organizacionais e o nosso próprio bem-estar dentro da organização acima do reino de Deus. (Não estou falando contra as instituições em si; elas são inevitáveis e necessárias na vida humana, mas sempre trazem determinadas tentações.) Jesus também enfrentou essa situação. À pressão dos profissionais religiosos de sua época, os escribas, ele respondeu: “Não recebo a glória que vem dos homens” (Jo 5.41). Em outras palavras, ele disse: “Não entro no esquema profissional que vocês montaram. Não aceito me enquadrar. Não aceito receber as recompensas que esse esquema oferece, sejam elas financeiras, de “status” ou de poder”. Não estou falando contra o fato de alguém ser profissional da religião. Estou dizendo que é importante que o profissional da religião tenha consciência das tentações típicas de sua profissão e de sua inserção social para saber enfrentá-las.

A segunda é a pressão do mercado religioso. O mercado diz que a igreja tem de estar sempre cheia, e para isso acontecer não é bom ensinar a ética e as demandas do discipulado. Para atrair novas pessoas é melhor repisar as mesmas coisas, e para as pessoas que já estão na igreja há mais tempo e estão um pouco entediadas, em vez de correr o risco de afugentá-las ensinando a ética e o discipulado, é melhor inventar modismos para mantê-las entretidas. Daí a tendência do meio evangélico de ziguezaguear de modismo em modismo, cada um se apresentando como o ‘X’ do mapa do tesouro (“Agora a igreja vai para frente!”). Cinco anos depois, ninguém se lembra mais do que era! Jesus também enfrentou a pressão do mercado religioso. Contra a pressão de ser bem-sucedido numericamente, ele ensinava as demandas do discipulado. Em João 6.60 vemos a consequência disso: “Muitos dos seus discípulos disseram: Duro é este discurso; quem o pode ouvir?” E muitos foram embora. Não foi um ‘bom negócio’ para Jesus falar essas coisas. Porém, parafraseando João 12.24, podemos dizer que “a pessoa que não morre para o institucionalismo e para o mercado religioso, não dá fruto para o reino de Deus”.

Nada é totalmente novo debaixo do sol, e houve na história outros momentos parecidos com o nosso. Um deles foi o quarto século, quando o cristianismo se tornou aceitável e depois foi oficializado no Império Romano, e começou a se tornar uma religião de massas. Então surgiu uma reação contrária: o movimento monástico, que tencionava ser contracultural não só na sociedade, mas também na igreja. Foi uma reação em nível micro. Outro momento foi o século 16, quando existia uma igreja triunfalista, supersticiosa e mercantilista. E surgiu a reação reformadora, ou seja, uma reação em nível macro. As duas reações, micro e macro, são válidas e importantes. (Porém, devemos lembrar que hoje não podemos mais reformar a igreja de nações inteiras, como fizeram os reformadores, porque já não estamos na cristandade.)

Na próxima edição, concluirei essa série de reflexões apresentando minha ‘receita’ para fazer com que a igreja evangélica se mantenha numericamente ao longo de várias gerações e deixe uma marca positiva na história do país.


Paul Freston, inglês naturalizado brasileiro, é doutor em sociologia pela UNICAMP.
Revista Ultimato
Edição 317
Março-Abril 2009