Chamados para pregar o evangelho (parte 1)

Valdir Steuernagel

Os Evangelhos contam que Jesus passava muito tempo com as pessoas, ministrando-as. O resultado é bastante claro: “Todos ficavam maravilhados com o seu ensino, porque falava com autoridade” (Lc 4.32). É surpreendente ver a autoridade de Jesus trazendo vida às pessoas e se expressando em serviço, amor e encantamento.

Ao chamar os discípulos para estar, andar e ministrar com ele, Jesus os convida a imitá-lo -- a fazer o que ele fazia e como ele fazia. Exemplo de conteúdo e estilo. No artigo da edição anterior, intitulado Chamados para estar com Jesus, observamos esta vocação dos discípulos segundo o evangelista Marcos: “Jesus subiu a um monte e chamou a si aqueles que ele quis, os quais vieram para junto dele. Escolheu doze, designando-os apóstolos, para que estivessem com ele, os enviasse a pregar e tivessem autoridade para expulsar demônios” (Mc 3.13-15).

Agora enfocaremos o convite e o desafio para que os discípulos preguem o evangelho, algo muito comum e clássico na cultura evangélica. Afinal, é sobre o “ide e pregai” que se constrói muito dessa cultura da qual somos filhos. Vamos revisitar o convite de Jesus?

Surpreendidos pela Palavra
O ensino de Jesus tem autoridade. Assim como seus ouvintes na época, também experimentamos isso hoje ao ouvirmos a sua palavra, que tem sempre o frescor de uma nova manhã e o aroma da primavera em cada estação da nossa vida, seja no verão ou no inverno mais rigoroso. Ela tem um toque restaurador, por mais destroçada que esteja a nossa vida ou nossos vínculos com Deus e com os outros.

Pregar o evangelho significa ser portador dessa palavra que é nova e que renova todas as coisas. Palavra que cria e restaura, conforta e redireciona, abraça e reorienta. Palavra que nos coloca a serviço do Deus que a gerou. Porém, pregar a palavra é também ter sido alcançado por ela. A palavra que pregamos prega para nós também. A palavra de Deus não é para ser anunciada como realidade ou verdade abstrata. Ela é experimentada e vivenciada à medida que nos transforma. O anúncio do evangelho transforma-se, então, em testemunho de vida. Cada vez que esse anúncio pende para a teoria e a conceituação, ele torna-se mais pobre. Vai perdendo o toque vital e transformando-se em palavra desfigurada, como uma voz que, ao microfone sem fio cuja bateria está no fim, vai diminuindo em intensidade e volume. Assim é o pregador que não se deixa alcançar e transformar pelo evangelho.

Juntando as peças
Especialmente no livro de Marcos Jesus chama seus discípulos pelo nome e os incumbe de pregar o evangelho. Mateus fala da autoridade dada aos discípulos para expulsar espíritos imundos e curar enfermos, seguindo a orientação: “Por onde forem, preguem esta mensagem: O reino de Deus está próximo” (Mt 10.1- 4, 7). Uma coisa não pode ser separada da outra; na verdade, uma leva à outra, pois as pessoas se aproximam da mensagem do evangelho assim como são -- em sua “totalidade carente”. O relato de Lucas aponta nesta direção ao dizer que Jesus, logo após chamar os discípulos, “desceu com eles e parou num lugar plano”, onde foi cercado pela multidão: “Vieram para ouvi-lo e serem curados de suas doenças. Os que eram perturbados por espíritos imundos ficaram curados” (Lc 6.18). Aqui se nota a relação entre o que Jesus faz, o que a multidão busca e o que os discípulos são chamados a vivenciar e executar. A pregação do evangelho acontece por causa do que Deus tem a oferecer, e isso vai ao encontro do que as pessoas precisam. Nós, como elas, estamos doentes, cansados, machucados. Como o próprio Jesus percebe, estamos “como ovelhas sem pastor” (Mc 6.34). É nesse universo que o evangelho irrompe como gerador de vida, e é a serviço desse evangelho que os discípulos devem estar.

“Coma o rolo!”
A contínua atualidade do evangelho se deve à sua capacidade de “ler o coração humano” e caminhar ao encontro dele com uma palavra-relação de amor e graça. Jesus ama e por isso sua palavra é recebida; então ela se transforma em semente da graça que reconstrói tecidos, vínculos e esperanças humanas. É simples! Diante disso, sempre me encontro como mendigo, como disse Lutero, porém um mendigo que sabe onde encontrar pão! Pão de vida a ser transformado em pregação de evangelho.

Ao chamar o profeta Ezequiel para falar à nação de Israel, Deus deu-lhe uma visão que incluía uma ordem: “Coma o rolo”. Em resposta, o profeta descreve a experiência: “Então eu o comi, e em minha boca era doce como mel” (Ez 2.9–3.3). O rolo em que estavam escritas as palavras vindas de Deus “entrou no profeta”, marcando e comprometendo a sua vida.

Como o profeta, fomos incumbidos de anunciar o evangelho. Assim, carregando no estômago a própria palavra de Deus, com a vida marcada pela convocação para sermos dele e degustando o sabor do alimento que restaura a vida, Jesus nos chama para si e nos envia para o outro. E já não há outro jeito de viver. Juntamos-nos a Pedro para expressar: “Senhor, tu tens as palavras da vida eterna. Nós cremos e sabemos que és o Santo de Deus” (Jo 6.68).


Valdir Steuernagel é pastor luterano e trabalha com a Visão Mundial Internacional e com o Centro Pastoral e Missão, em Curitiba, PR.

Revista Ultimato

Edição 317
Março-Abril 2009